Luto Prolongado e Emagrecimento: Paralelismo Neuropsicológico no Processo de Aceitação e Mudança
A vivência do luto prolongado e o processo de emagrecimento apresentam, sob diferentes prismas, desafios emocionais, cognitivos e comportamentais. Embora decorram de contextos distintos – a perda de um ente querido versus a perda de padrões alimentares consolidados –, ambos exigem a reestruturação interna e a capacidade de lidar com mudanças profundas. A literatura científica descreve o luto prolongado (denominado “Perturbação de Luto Prolongado” na CID-11 e no DSM-5-TR referido como “Persistent Complex Bereavement Disorder” ou “Prolonged Grief Disorder”) e o processo de emagrecimento como fenómenos multidimensionais, nos quais fatores neuropsicológicos, emocionais e comportamentais estão intricadamente entrelaçados.
Luto Prolongado:
No luto prolongado, o indivíduo permanece preso a um padrão de sofrimento intenso e persistente, incapaz de integrar a experiência da perda no curso da sua vida futura (Prigerson et al., 2021; Shear, 2015). Este quadro caracteriza-se por sentimentos duradouros de saudade, dificuldade em aceitar a realidade da perda, ruminações constantes e uma perturbação significativa no funcionamento diário. Estão implicadas alterações neuropsicológicas, incluindo disfunção na regulação emocional e na integração cognitivo-afetiva, bem como padrões de vinculação mal adaptativos (O’Connor et al., 2008). A manutenção destes estados pode ser compreendida à luz das alterações em redes cerebrais relacionadas com a recompensa, o apego e a resposta ao stress, dificultando a reorganização interna exigida para seguir em frente sem a presença da pessoa falecida.
Perda de Peso e Emagrecimento:
Analogamente, o processo de emagrecimento não se limita à implementação mecânica de dietas ou ao aumento do exercício físico. Implica a modificação de hábitos alimentares consolidados, padrões emocionais de comer, respostas ao stress e a aceitação da perda de determinadas rotinas culinárias, bem como a alteração da identidade pessoal e da imagem corporal (Berthoud, 2012). Vários estudos em neurociência e neuroendocrinologia apontam para mecanismos homeostáticos que dificultam a perda de peso, incluindo a ação de hormonas reguladoras do apetite (leptina, grelina) e adaptações metabólicas que resistem à redução prolongada da ingestão calórica (Rosenbaum & Leibel, 2010). O alimento, tal como a figura ausente no luto, representa algo anteriormente estável e satisfatório, cuja alteração ou remoção gera desequilíbrios emocionais.
Paralelismos na Dificuldade de Aceitação da Mudança:
Tanto no luto prolongado como no emagrecimento, a aceitação não resulta simplesmente de um ato de vontade. Exige um trabalho terapêutico abrangente, que permita a aquisição de novas estratégias emocionais, cognitivas e comportamentais. Intervenções psicoterapêuticas, como a Terapia Cognitivo-Comportamental, têm demonstrado eficácia em auxiliar as pessoas a reestruturar crenças disfuncionais e aprender estratégias de regulação emocional (Dozois & Dobson, 2015; Forman & Butryn, 2015). Paralelamente, abordagens baseadas em mindfulness e aceitação podem favorecer a flexibilidade cognitiva e a tolerância ao desconforto emocional que acompanha a mudança.
Abordagens complementares, como a EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing) e a Hipnose Clínica, podem facilitar a integração emocional da perda ou a reconfiguração dos significados associados à alimentação e ao corpo. A EMDR tem evidência no tratamento de traumas e perturbações emocionais complexas, promovendo a dessensibilização de memórias dolorosas e reduzindo a reatividade fisiológica (Shapiro, 2014). A Hipnose Clínica, por sua vez, pode apoiar a mudança de padrões alimentares, a redução de impulsos emocionais e a reestruturação cognitiva, auxiliando no reforço da motivação e da autoconfiança para enfrentar novos desafios (Alladin, 2016).
Conclusão:
Compreender o luto prolongado e o emagrecimento como processos paralelos de adaptação a uma nova realidade – perda do ente querido ou perda de hábitos alimentares enraizados – permite delinear intervenções multidisciplinares e integradas. Além das abordagens psicoterapêuticas convencionais, a inclusão de técnicas como a EMDR, a Hipnose Clínica, o mindfulness e estratégias de reabilitação cognitiva pode oferecer um leque mais amplo de ferramentas. O objetivo é facilitar a aceitação da mudança e promover uma adaptação saudável e funcional, sempre ancorada em intervenções cientificamente apoiadas.
Referências:
- Alladin, A. (2016). Evidence-Based Hypnotherapy for Depression. International Journal of Clinical and Experimental Hypnosis, 64(1), 104-116. https://doi.org/10.1080/00207144.2015.1099406
- Berthoud, H. R. (2012). The neurobiology of food intake in an obesogenic environment. Proceedings of the Nutrition Society, 71(4), 478–487. https://doi.org/10.1017/S0029665112000602
- Dozois, D. J. A., & Dobson, K. S. (2015). The Prevention of Anxiety and Depression: Theory, Research, and Practice. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/14532-000
- Forman, E. M., & Butryn, M. L. (2015). A New Look at the Science of Weight Control: How Acceptance and Commitment Strategies Can Address the Challenge of Obesity. Journal of Contextual Behavioral Science, 4(3), 157–159. https://doi.org/10.1016/j.jcbs.2015.06.004
- O’Connor, M.-F., Wellisch, D. K., Stanton, A. L., Eisenberger, N. I., Irwin, M. R., & Lieberman, M. D. (2008). Craving love? Enduring grief activates brain’s reward center. NeuroImage, 42(2), 969–972. https://doi.org/10.1016/j.neuroimage.2008.04.256
- Prigerson, H. G., Boelen, P. A., & Xu, J. (2021). Validation of the New DSM-5-TR Criteria for Prolonged Grief Disorder and the ICD-11 PGD Criteria. World Psychiatry, 20(1), 96-106. https://doi.org/10.1002/wps.20823
- Rosenbaum, M., & Leibel, R. L. (2010). Adaptive Thermogenesis in Humans. International Journal of Obesity, 34(S1), S47–S55. https://doi.org/10.1038/ijo.2010.184
- Shapiro, F. (2014). Eye movement desensitization and reprocessing (EMDR) therapy: Basic principles, protocols, and procedures. Guilford Publications. https://www.guilford.com/books/EMDR-Therapy/Shapiro/9781462532766
- Shear, M. K. (2015). Complicated Grief. New England Journal of Medicine, 372, 153–160. https://doi.org/10.1056/NEJMra1315618
(Celso Oliveira, Dez/2024)