Por trás da adição existe uma subtração, uma perda para ser compreendida
Quando analisamos o fenómeno do comportamento aditivo, seja o consumo de substâncias psicoativas, a alimentação compulsiva ou a dependência de jogos online, é frequente entender a adição apenas como um problema de “excesso”. No entanto, sob uma perspetiva integrativa, aquilo que se manifesta como um acréscimo – a compulsão, o impulso irreprimível, a necessidade de “mais” – emerge muitas vezes a partir de uma subtração prévia: uma perda, uma carência afetiva, um défice de competências emocionais ou uma fragilidade na rede de suporte social (Koob & Volkow, 2010). Em última análise, o comportamento aditivo não é apenas a presença exagerada de algo, mas também uma tentativa de compensar a ausência de algo essencial.
Paralelos com o luto patológico
A dificuldade em ultrapassar o comportamento aditivo apresenta padrões semelhantes aos observados no luto patológico. No luto patológico ou complicado, a pessoa não consegue avançar na elaboração da perda, permanecendo presa a um estado de sofrimento psíquico intenso e incapaz de retomar o seu funcionamento adaptativo (Prigerson et al., 2009). Da mesma forma, a pessoa com um comportamento aditivo persiste num ciclo de dependência, não apenas por não conseguir largar a substância ou o ato compulsivo, mas por não conseguir libertar-se da perda subjacente – muitas vezes não reconhecida – que o comportamento tenta compensar. Em ambos os casos, o desafio reside na dificuldade em aceitar, enfrentar e superar a “falta” de algo ou alguém, seja essa perda real (como a morte de um ente querido) ou simbólica (como a ausência de uma sensação de segurança, valor pessoal ou vínculo afetivo).
Perspetiva neuropsicológica e emocional
Sob o ponto de vista neuropsicológico, as adições e o luto complicado partilham perturbações nos sistemas de regulação emocional e nos circuitos de recompensa e reforço. Enquanto o luto complicado envolve dificuldade em processar as memórias e as emoções associadas à perda, o comportamento aditivo pode ser entendido como uma estratégia mal adaptativa para tentar suprimir, evitar ou aliviar emoções dolorosas (Koob & Volkow, 2010). A substância ou o ato compulsivo oferecem um alívio momentâneo, tal como a recusa em aceitar a perda proporciona um aparente adiamento do sofrimento, perpetuando, em ambos os casos, a incapacidade de ultrapassar o ciclo.
Dimensão psicossocial e relacional
No plano psicossocial, o vazio deixado pela perda pode decorrer de separações afetivas, falta de suporte emocional, ausência de reconhecimento pessoal ou falhas no estabelecimento de vínculos seguros na infância. A compulsão surge então como um substituto interno – tal como a recusa em aceitar a perda num luto patológico é uma forma de manter internamente a ligação ao que foi perdido. Em cada uma destas situações, não se trata apenas de um comportamento ou reação mal adaptativa, mas de uma tentativa, ainda que ineficaz, de preservar um equilíbrio emocional ou relacional frágil.
Intervenções terapêuticas
Abordagens terapêuticas baseadas em evidência, como a Terapia Cognitivo-Comportamental ou a Terapia de Processamento Emocional, procuram trabalhar estas dinâmicas subjacentes (Marlatt & Donovan, 2005; Shear et al., 2016). No caso do comportamento aditivo, não basta parar de consumir a substância ou abandonar o ato compulsivo; é necessário descobrir e trabalhar a perda que esse comportamento mascarava. No luto complicado, não chega “superar” a tristeza superficialmente; é preciso elaborar ativamente as emoções e significados associados à perda, desenvolvendo novas perspetivas e reorganizando o sentido de identidade.
Em ambos os cenários, estratégias de reabilitação cognitiva, treino de competências de regulação emocional e fortalecimento das redes de apoio social constituem intervenções complementares. Assim, enfrenta-se a “subtração” subjacente, reconstruindo recursos internos e externos que permitem, ao fim de um processo terapêutico estruturado, aprender a viver sem o apoio compensatório do comportamento aditivo ou da negação continuada do luto.
Conclusão
Sob uma perspetiva integrada, a adição não é um “excesso” isolado, tal como o luto patológico não é apenas uma “falta de superação emocional”. Em ambos os casos, existe uma perda que não foi devidamente compreendida e processada. Ao reconhecer esta dimensão, as intervenções tornam-se mais eficazes, pois vão além da eliminação dos sintomas comportamentais, dirigindo-se à raiz da questão: a necessidade de ultrapassar a falta, a ausência e a dor que alimentam o ciclo da dependência ou do luto não resolvido.
Referências
- Koob, G. F., & Volkow, N. D. (2010). Neurocircuitry of addiction. Neuropsychopharmacology, 35(1), 217–238. https://doi.org/10.1038/npp.2009.110
- Marlatt, G. A., & Donovan, D. M. (Eds.). (2005). Relapse Prevention: Maintenance Strategies in the Treatment of Addictive Behaviors. The Guilford Press. https://www.guilford.com/books/Relapse-Prevention/Marlatt-Donovan/9781593856410
- Prigerson, H. G., Horowitz, M. J., Jacobs, S. C., et al. (2009). Prolonged Grief Disorder: Psychometric Validation of Criteria Proposed for DSM-V and ICD-11. PLoS Medicine, 6(8), e1000121. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1000121
- Shear, M. K., Ghesquiere, A., & Glickman, K. (2016). Bereavement and Complicated Grief. Current Psychiatry Reports, 18(11), 95. https://doi.org/10.1007/s11920-016-0739-1
(Celso Oliveira, Dez/2024)