A Menina no Parque
Num dia sereno e ensolarado, um parque cheio de risos e alegria tornava-se o cenário perfeito para a brincadeira. Entre as crianças, uma menina de quatro anos balançava alegremente num baloiço, enquanto os pais, embora vigilantes, conversavam com outros adultos, confiantes na segurança do momento.
De repente, uma perturbação inesperada rompeu a tranquilidade. Ao longe, o som de um estrondo crescente – como uma tempestade iminente – começou a tomar conta do ambiente. Era uma matilha de cães selvagens, correndo de forma desordenada, ladrando ferozmente e projetando um medo avassalador no coração de todos que ali estavam. Num instante, o parque, outrora alegre, transformou-se em pânico e caos. As pessoas fugiam, gritando, enquanto a menina, ainda no baloiço, não conseguia sair a tempo.
Diante do perigo iminente e incapaz de fugir ou lutar, o corpo da menina fez o que sabia ser a única opção: congelou. Ela caiu do baloiço, como que desmaiada, entregue a um estado de imobilidade que a natureza lhe oferecia como proteção. Os cães passaram por ela sem sequer reparar na sua presença, seguindo o seu caminho para longe.
Quando o silêncio voltou ao parque, os pais, aflitos, regressaram a correr e encontraram a menina no chão. Ela despertou, com o corpo a tremer, os olhos confusos e a respiração ofegante. Não conseguia explicar o que tinha acontecido, apenas que sentia a boca seca, a barriga a doer e o corpo a estremecer. Os pais, aliviados por encontrá-la sem ferimentos, levaram-na para um lugar seguro, ofereceram-lhe um doce e tentaram distraí-la. Ela acabou por se acalmar, mas, dentro dela, algo tinha ficado.
Anos mais tarde, já crescida, a menina, agora adolescente, começou a sentir uma angústia inexplicável em momentos que, aparentemente, eram seguros. Se estava numa sala com colegas que a ignoravam ou numa situação em que precisava de apoio e não o sentia, era como se o som dos cães selvagens voltasse, abafado mas presente. Sem compreender porquê, procurava conforto – numa palavra amiga, num abraço, ou até em algo tão simples como um chocolate. Mas a sensação de desamparo insistia em reaparecer.
Com o passar dos anos, esta inquietação tornou-se parte da sua vida. Como adulta, em momentos de solidão ou desamor, procurava formas de se consolar, mas não conseguia explicar por que razão, em situações tão distintas, sentia aquele aperto no peito, aquela necessidade de proteção. Sem saber, carregava dentro de si a memória daquela menina no parque, que nunca tinha sido verdadeiramente libertada.
A menina no baloiço, assustada e congelada no tempo, continuava lá, dentro dela, chamando silenciosamente por segurança. E sempre que a vida lhe fazia sentir-se desamparada, aquela parte esquecida da sua história surgia, como uma sombra de um passado que não foi compreendido, mas que nunca deixou de existir.
Assim, a mulher carregava a sua menina no parque. Até ao dia em que decidiu parar, olhar para dentro e dar a mão àquela criança assustada, dizendo-lhe: “Estou aqui agora. Já não estás sozinha.” E, aos poucos, começou a transformar aquele parque de medo num lugar de reconciliação.
(Celso Oliveira, Jun/2009)