Educar com Amor e Disciplina II
Todo o comportamento ocorre entre um antecedente e um consequente. E a tendência natural de qualquer educador (pais ou professores) é procurarem a “causa”, o porquê desse comportamento, naquilo que aconteceu antes de ele ter ocorrido (o seu antecedente).
Todavia, em termos comportamentais, aquilo que “alimenta” e sustenta o comportamento não é o antecedente (já passado e que não se pode mais alterar) mas o seu consequente, o que ocorre após a manifestação desse comportamento, seja ele adaptado ou inadaptado. E a “regra” de ouro, aqui, é simples:
– se a consequência do comportamento é agradável/prazerosa para a o sujeito/pessoa que o manifestou, esse comportamento tem tendência a repetir-se mais vezes;
– se a consequência do comportamento é desagradável/dolorosa, esse comportamento tem tendência a extinguir-se ou a diminuir.
Assim, para modificar adequadamente um comportamento disruptivo/inadaptado, os educadores necessitam de trabalhar as suas consequências. E todo o “mau comportamento” precisa de uma consequência imediata, que deve ser previsível ou previamente conhecida pelo sujeito (criança, adolescente ou adulto) em que tal comportamento se manifesta.
Costumo dizer que existem três tipos de crianças/adolescentes (ou mesmo adultos) que “se portam mal” (tendo em conta os critérios sócioculturais da norma comportamental vigente):
1. Aqueles que se “portam mal” porque não conhecem, não aprenderam ainda, o comportamento adequado esperado para a sua idade e contexto de vida;
2. Aqueles que se “portam mal” porque, mesmo conhecendo as “boas regras” e fazendo muito esforço para as cumprirem não o conseguem fazer, por razões de natureza psicológica, neuropsicológica ou emocional, agindo de forma automática e muitas vezes inconsciente, com impulsividade, inatenção ou hiperatividade;
3. Aqueles que se “portam mal” porque, mesmo conhecendo as “boas regras” de comportamento as violam voluntariamente, sem medo das consequências ou porque estão habituados a que as consequências dos
seus comportamentos lhes sejam agradáveis.
E as consequências para cada um destes tipos de pessoa (criança, adolescente ou adulto) que viola, de forma sistemática e continuada, as “boas regras” comportamentais, têm de ser diferentes: os primeiros precisam de ser ensinados, os segundos precisam de ser ajudados e os terceiros devem ser punidos.
Em todo o caso, porém, a ideia subjacente a qualquer abordagem de modificação e gestão de comportamentos deve ser sempre: tudo fazer para que o bom comportamento apareça (foco nas soluções) em vez de punir e castigar, muitas vezes de forma exagerada e por isso ineficaz, o comportamento que queremos extinguir (foco no problema). Por outro lado, o nosso foco deve centrar-se no comportamento a modificar e não na pessoa que se “comporta mal” que, mesmo nas pessoas do tipo 3 acima referenciadas, têm sempre uma boa razão (do seu ponto de vista pessoal) para se comportarem da maneira como se comportam, desconhecendo ou não vislumbrando outras alternativas para o que desejam conseguir sem o comportamento disruptivo que utilizam para isso.
Então, como poderemos gerir e modificar os comportamentos das nossas crianças/adolescentes? Que estratégias poderemos utilizar para que a criança/adolescente (e também, nos adultos, a nossa criança interior) se comporte de forma adequada, sem se sentir “julgada” nem “desamada”?
Em termos gerais, eu diria que a “mensagem” central que o “educador” (pai/professor/autoridade) deve passar ao “educando” (a pessoa cujo comportamento pretendemos modificar) deve ser a seguinte: “sejam quais forem as razões desse teu comportamento (para que fazes isso?), eu compreendo-as (mesmo sem as conhecer) porque são tuas e certamente são significativas para ti, mas… esse comportamento eu não aceito, eu não vou tolerar”. Ou, “eu amo-te… e quero que estejas bem… mas não aceito esse comportamento”.
Para isso ser colocado em prática, recomendamos as quatro estratégias que se seguem (não as numero deliberadamente porque as considero todas com o mesmo grau de importância) e que, embora pareçam simples, exigem de nós muita paciência, muita coerência (congruência) e muito treino (sem medo de errar):
– EVITAR O NÃO!
– Antes de dizer “Não!” (por palavras ou por atos) e porque o “Não!” não é “percebido pela parte não consciente da nossa mente, pensemos se podemos descomplicar, ignorar ou não relevar os “maus comportamentos”, para que eles se extingam por si próprios. A parte não consciente da nossa mente funciona por imagens e não por palavras, a menos que as palavras “gerem imagens mentais”. E não existe “imagem” para o “Não” …
– Mas… se dissermos “Não!”, ainda que depois percebamos que poderíamos ter dito ou feito outra coisa, “Não”, é mesmo “Não” … Um “Não” não pode passar a “Nim” e depois a “Sim”, sob pena de perdermos a autoridade de educador.
– E … sempre que dissermos “Não” (correta ou erradamente – porque também podemos errar), devemos apresentar dois “SIM” em alternativa. Por exemplo, “Com isso, “Não!”… mas podes fazer com aquilo… ou com aquilo…”; “Assim, “Não!” … mas podes fazer assim… ou assim…”, etc.
FAZER PERGUNTAS! FALAR COM PERGUNTAS! RESPONDER ÀS PERGUNTAS COM PERGUNTAS!
– Perguntar não ofende e, pelo contrário, afirmar, mesmo que tenhamos razão, pode, em determinadas situações (por exemplo quando afirmamos algo sobre alguém e não o podemos provar), levar-nos até a
tribunal ou à prisão. As afirmações “julgam”, “criticam” e ninguém gosta de se sentir julgado ou criticado, havendo uma tendência natural para retorquir (muitas vezes de forma impulsiva e irrefletida), quando uma
pessoa se sente julgada;
– Mas… as perguntas devem ter “pressuposições”, devem pressupor alguma coisa que terá mesmo de acontecer, dando ao sujeito/pessoa (criança, adolescente ou adulto) uma “falsa sensação” de que está a
decidir tudo. Por exemplo: “Queres a sopa num pratinho ou numa tijela?”; “Queres fazer os teus trabalhos de casa nesta mesa, ou naquela?”, etc…
– Se a pessoa nos faz uma pergunta (por exemplo: “estás chateada, mamã?”) devemos responder com outra pergunta (por exemplo: “Que te parece?” ou “O que te faz pensar isso?”, etc.)
USAR O “EU” EM VEZ DO “TU”
– Falar na segunda pessoa, usando o “tu isto… tu aquilo…”, julga ou critica e, como vimos antes, ninguém quer sentir-se julgado nem criticado.
– Falar na primeira pessoa, usando “eu… eu… eu…”, ainda que seja num registo do género “eu estou a passar-me”, “eu estou triste”, “eu não estou a gostar nada do que estou a ver”, etc., faz com que o “outro”
(criança, adolescente ou adulto) se aproxime de nós, porque nos ama, e procure, ainda que inconscientemente, proteger-nos.
CRITICAR/JULGAR OS COMPORTAMENTOS E NUNCA (MESMO NUNCA) A PESSOA!
– A criança (incluindo a nossa criança interior) tem sempre uma razão para se comportar da maneira como se comporta e essa razão (ainda que inconsciente ou não consciente) é legítima, muitas vezes incontrolável e, por isso, respeitável;
– O que está ou pode estar errado é o comportamento e não a pessoa que, como sabemos por nós próprios, muitas vezes erra sem saber que está a errar e falha sem saber que está a falhar. Ninguém falha de propósito, caso contrário isso não seria uma falha e, quando falhamos, só sabemos disso depois de a falha ter ocorrido;
– Deste ponto de vista, não há ladrões, mas sim roubos, não há mentirosos, mas sim mentiras, não há estúpidos, mas sim comportamentos estúpidos.
Transversalmente a todas estas estratégias, entretanto (e isso seria tema para outra conversa mais prolongada) poderemos usar alguns padrões de linguagem que facilitam a comunicação com quem amamos de uma forma persuasiva, não diretiva e, por isso, mais aceitável e gerando maior recetividade na pessoa (criança, adolescente ou adulto) com quem comunicamos. Por agora, no que toca a gestão e modificação de
comportamento, sugerimos que:
Use o “PARA QUÊ?” em vez do “PORQUÊ?”
– O “Porquê” leva a criança (incluindo a nossa criança interior) a focar-se nos seus problemas, aumentando e reavivando as razões para a sua birra, o seu choro, etc. Por isso, perguntar à criança “Por que estás a
chorar?” faz ou pode fazer com que ela automaticamente chore ainda mais.
– O “Para quê?” leva a criança (incluindo a nossa criança interior) a focar-se nas soluções, anulando ou diminuindo o comportamento que queremos extinguir. Perguntar à criança, por exemplo “estás a chorar,
para quê?”, leva frequentemente a criança a calar-se ou a parar a sua birra. É um tipo de pergunta que gera postulados de comunicação. Um pouco como quando perguntamos a alguém se tem horas e estamos à
espera de ela nos dizer as horas (comportamento esperado) em vez de dizer “tenho!” e continuar o seu caminho.
Use o “QUANDO… ENTÃO” em vez do “SE… ENTÃO”
– Ao dizermos a uma criança (incluindo a nossa criança interior), “se fizeres isto… então tens aquilo”, estamos a pressupor que a criança pode não o fazer…
– Ao dizermos à criança/adolescente (ou mesmo a um adulto), “quando fizeres isso… então tens aquilo”, estamos a pressupor que isso vai ser mesmo feito.
E se tivermos de punir o comportamento, se tivermos de aplicar um castigo à criança/adolescente? Como fazer?
Há muitas abordagens de disciplina positiva, de educar com amor e disciplina, dando à criança/adolescente a possibilidade, a oportunidade de se portar bem (foco na solução) em vez de a punir constantemente por se comportar mal (foco no problema).
Eu recomendo uma abordagem centrada nos ensinamentos do pediatra e professor de pediatria Paulo Oom, no seu livro “Não te volto a dizer – educar com amor e disciplina” e do muito premiado “1-2-3 Magia” de Thomas Phelan.
Basicamente, a ideia base é esta:
1. Inteirar-se, ter a certeza de que a criança/adolescente conhece o comportamento certo que esperamos dela/dele. Caso contrário teremos de o/a ensinar;
2. Contar até 3, dar três oportunidades à criança/adolescente para se portar bem;
3. Caso a criança/adolescente mantenha o “mau comportamento” aplicar uma punição (castigo ou retirada de privilégios) durante um tempo igual à sua idade em minutos (4 minutos, se a criança tem 4 anos, 14 minutos
se o adolescente tem 14 anos ou, por que não, 45 minutos se o marido ou a esposa, por exemplo, tem 45 anos)
4. Durante o castigo evitar qualquer “sermão” sobe o assunto e, depois de “CUMPRIDO O CASTIGO”, ou seja, esgotado o tempo de punição, “não há qualquer conversa mais sobre o que se passou”;
5. Modelar o comportamento que queremos ver na criança/adolescente. Ninguém consegue fazer com que uma criança deixe de gritar, gritando-lhe. Ninguém consegue fazer com que uma criança deixe de agredir, agredindo-a. A criança (incluindo a nossa criança interior) ouve muito melhor se lhe falarmos baixinho…