Três Pilares para Relacionamentos Saudáveis
Nos relacionamentos humanos, o bem-estar pessoal e a qualidade das interações com o outro estão profundamente interligados. É através da construção de uma relação saudável consigo mesmo, com o outro e com a interdependência entre os dois (o “Nós”) que se torna possível alcançar relacionamentos satisfatórios e duradouros. A base desta construção assenta em três pilares fundamentais: estratégias de felicidade individual, comunicação evocativa e reforço do ego, cada um destes com um impacto específico em três camadas de relacionamento – a camada do Eu, a camada do Tu e a camada do Nós.
Pilar 1: Estratégias para nos Sentirmos Felizes
A felicidade individual é essencial para a saúde relacional, visto que o bem-estar pessoal influencia diretamente a forma como interagimos com o outro. O primeiro pilar propõe práticas que contribuem para a felicidade individual, visando um “egoísmo altruísta”, onde o autocuidado e a atenção ao bem-estar próprio coexistem com o desejo de servir ao outro.
Camada do Eu: Egoísmo Altruísta
O conceito de “egoísmo altruísta” refere-se à prática de adotar atividades que proporcionem bem-estar pessoal, mesmo que estas envolvam o auxílio ao próximo (Gilbert, 2017). Esta prática é central para o autocuidado e previne que o serviço ao outro seja fonte de desgaste emocional. Estudos indicam que pessoas que dedicam tempo para si, mas também se envolvem em atividades pró-sociais, reportam níveis mais elevados de bem-estar (Aknin et al., 2013).
Camada do Tu: Perdão como Liberdade
O perdão, compreendido como uma forma de libertação, é fundamental para preservar a qualidade relacional. Esta prática permite ao indivíduo libertar-se de ressentimentos sem necessariamente ignorar ou justificar comportamentos prejudiciais (Worthington & Scherer, 2004). Segundo Worthington e Wade (2020), o perdão é mais eficaz para promover o bem-estar do que o esquecimento passivo, pois possibilita uma “reprogramação emocional”, essencial para um relacionamento duradouro.
Camada do Nós: Aceitação do Imutável
Aceitar aquilo que não podemos mudar, como o passado ou as falhas alheias, é uma prática eficaz para evitar tensões desnecessárias. Essa abordagem reduz o impacto de eventos negativos e cria espaço para o foco em melhorias presentes e futuras (Harris, 2011). A aceitação é uma prática derivada da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), que enfatiza o compromisso com mudanças viáveis e a aceitação do inevitável (Hayes et al., 2006).
Pilar 2: Estratégias de Comunicação Evocativa
A comunicação evocativa foca-se em promover a reflexão e mudança de comportamento no outro, ao contrário da comunicação informativa, que prioriza a partilha de ideias ou crenças. Esse pilar contribui para um ambiente relacional no qual o diálogo é fomentado de maneira respeitosa e efetiva.
Camada do Eu: Linguagem do Eu
Adotar uma linguagem em primeira pessoa – “eu sinto”, “eu penso” – é uma técnica fundamental para a comunicação evocativa, pois expressa sentimentos e perceções sem julgar ou atacar (Rosenberg, 2003). Segundo estudos de Rogers e Kinget (1965), esta abordagem facilita a empatia e reduz a postura defensiva no recetor da mensagem, promovendo um ambiente de comunicação mais seguro.
Camada do Tu: Comunicação por Perguntas
Focar em perguntas ao invés de afirmações pode proporcionar ao interlocutor a oportunidade de expressar-se sem sentir-se julgado. Questões abertas, como “Para quê essa atitude?” em vez de “Porquê essa atitude?”, deslocam o foco do problema para a solução (Zeig, 2015). Esta técnica de “Perguntas Poderosas” é amplamente utilizada na Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e em Coaching (Beck, 2011), promovendo autorreflexão e a criação de soluções personalizadas.
Camada do Nós: Foco no Comportamento
A comunicação que foca no comportamento, em vez de focar-se na pessoa, permite abordar ações específicas sem rotular ou julgar o indivíduo. Essa prática alicerça-se na teoria da atribuição, que indica que focar em comportamentos ao invés de focar-se nas características pessoais diminui conflitos e promove cooperação (Kelley, 1973). Estudos de Gottman (1994) revelam que casais bem-sucedidos mantêm discussões focadas nos comportamentos, reconhecendo que os mesmos podem ser modificados, enquanto a personalidade é mais estável.
Pilar 3: Compromissos de Reforço do Ego
O terceiro pilar propõe compromissos que fortalecem o ego, sem fomentar culpa, e valorizam a compreensão de que os erros são inerentes ao processo humano. Este compromisso auxilia o indivíduo a cultivar a autocompaixão e a evitar a autocensura exacerbada.
Camada do Eu: Autocompaixão –“Nunca mais me critico pelas minhas falhas porque eu não falho propositadamente”
A prática de não se autocriticar pelas próprias falhas, entendendo que estas não são cometidas propositadamente, é fundamental para manter a saúde mental e o bem-estar. A autocompaixão é associada a níveis reduzidos de ansiedade e depressão (Neff, 2003), oferecendo suporte para que os indivíduos se recuperem emocionalmente de erros cometidos e que já não se podem impedir.
Camada do Tu: Críticas Construtivas – “Não posso criticar os outros pelas falhas deles (ainda que estas possam ser criticáveis), porque também eles não falham propositadamente”
No nível relacional, é benéfico que as críticas sejam direcionadas aos comportamentos específicos e não à pessoa em si. Esta prática reforça o respeito pelo outro enquanto permite uma análise objetiva dos comportamentos. Estudo de Bailey e Burch (2016) sobre comunicação interpessoal mostra que críticas comportamentais evitam a postura defensiva e promovem mudanças construtivas.
Camada do Nós: Aceitação Mútua – “Não aceito críticas pessoais de ninguém, quando eu falho, porque todos falham e não têm legitimidade para me criticar”
Finalmente, no nível do Nós, é fundamental que as pessoas aceitem que todos cometem erros e que as críticas focadas na pessoa, ao invés de se focarem no comportamento, carecem de legitimidade. Esta aceitação é essencial para a construção de um “Nós” forte e resiliente. Gottman (1999) observa que casais que praticam a aceitação mútua das falhas e evitam atribuir culpas pessoais mantêm relacionamentos mais saudáveis.
Conclusão
Os três pilares apresentados – estratégias de felicidade, comunicação evocativa e compromissos de reforço do ego – propõem uma abordagem integral para a construção de relacionamentos saudáveis. A aplicação prática desses pilares nas camadas do Eu, do Tu e do Nós facilita uma conexão equilibrada consigo mesmo, com o outro e com o relacionamento. Com base em teorias e estudos contemporâneos, é possível afirmar que a aplicação desses conceitos fortalece a capacidade humana de criar e manter relacionamentos que promovem a saúde psicológica e o crescimento mútuo.
Referências Bibliográficas
Aknin, L. B., Dunn, E. W., & Norton, M. I. (2013). Happiness runs in a circular motion: Evidence for a positive feedback loop between prosocial spending and happiness. Journal of Happiness Studies, 14(2), 383-398. https://doi.org/10.1007/s10902-012-9341-3
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Zeig, J. (2014). Evocative Communication: The Missing Link. Zeig, Tucker & Theisen.
Zeig, J. (2015). The anatomy of experiential impact through hypnosis and psychotherapy. In M. R. Nash & A. J. Barnier (Eds.), The Oxford Handbook of Hypnosis: Theory, Research, and Practice (pp. 233-257). Oxford University Press.