A mente mente… e o corpo segue a mente cegamente.
A expressão “a mente mente” pode parecer desconcertante, mas ela revela uma verdade bem documentada pela ciência psicológica: a nossa mente nem sempre reflete a realidade como ela é, e, quando cria as suas próprias narrativas, o corpo responde como um seguidor fiel. O que vemos, sentimos e reagimos, está muitas vezes mais ligado ao modo como interpretamos a realidade do que à própria realidade em si. Neste artigo, exploraremos como a mente molda a nossa experiência, como o corpo segue cegamente as suas sugestões e de que forma emoções e padrões de pensamento afetam o organismo. Abordaremos também como algumas abordagens terapêuticas e o uso da hipnose têm sido complementares e fundamentais na ajuda a pessoas com manifestações físicas de stress e ansiedade.
A mente cria a sua própria realidade
Imagine que está numa reunião importante, e uma expressão facial neutra do seu chefe faz surgir uma dúvida: “Estará ele desapontado comigo?” Num instante, a mente cria um cenário onde imagina que o chefe está insatisfeito, apesar de não haver qualquer evidência concreta disso. De repente, surge a ansiedade, o coração acelera e um nó no estômago aparece. Este exemplo ilustra a ideia de que “o mapa não é o território”, expressão cunhada pelo linguista Alfred Korzybski. O mapa é a nossa interpretação subjetiva da realidade — uma representação que construímos com base em pensamentos, crenças e experiências passadas —, enquanto o território é a realidade objetiva e concreta.
Estudos na psicologia indicam que esta “fabricação” mental exerce um poder notável sobre o nosso organismo. Barsalou (1999), por exemplo, demonstrou que a mente, ao imaginar ou recordar uma experiência, ativa regiões cerebrais semelhantes às que seriam ativadas se a experiência estivesse realmente a acontecer. Esta capacidade da mente de criar realidades é também um dos pilares da hipnose, onde se orienta o indivíduo a focar a atenção em cenários imaginários, reduzindo o stress e possibilitando novas formas de reagir a eventos percebidos como ameaçadores. Segundo Spiegel et al. (1989), a hipnose oferece um estado de atenção focada que pode modular respostas emocionais e até físicas, ajudando a reorganizar a perceção mental.
Quando o corpo segue a mente
A somatização — ou seja, a manifestação física de emoções e sentimentos — é um fenómeno comum que reflete a influência direta da mente sobre o corpo. Quando uma pessoa se encontra num estado de medo ou ansiedade, o corpo liberta hormonas como o cortisol e a adrenalina, preparando o organismo para enfrentar ou fugir de uma ameaça. Este processo, descrito por Cannon (1932) como “resposta de luta ou fuga”, ocorre mesmo quando a ameaça é apenas imaginada, o que sublinha o forte impacto da mente sobre o corpo.
Estudos modernos reforçam esta interligação. Nummenmaa et al. (2014), ao investigarem as “representações corporais das emoções”, descobriram que diferentes emoções ativam diferentes áreas do corpo, comprovando que as respostas emocionais não são apenas mentais, mas também físicas. A Terapia de Partes, desenvolvida por Roy Hunter, parte do princípio de que o ser humano possui partes internas que guardam emoções e memórias que podem afetar o corpo de maneira positiva ou negativa. Esta abordagem facilita o acesso a estas “partes” através de técnicas de hipnose para ajudar o cliente a integrar ou resolver conflitos internos que geram sintomas somáticos (Hunter, 2005).
A fantasia e a realidade da somatização
Outro fenómeno fascinante que ilustra a conexão entre a mente e o corpo é a somatização, onde o corpo sente sintomas físicos originados de preocupações ou angústias mentais, sem qualquer condição médica subjacente. A psicóloga Suzanne O’Sullivan, no livro It’s All in Your Head (2015), descreve como a mente gera sintomas físicos de forma realista, muitas vezes confundindo as pessoas e os profissionais de saúde. Além disso, a Terapia EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento por Movimentos Oculares), desenvolvida por Francine Shapiro (2001), utiliza estímulos bilaterais para ajudar o paciente a processar traumas e reduzir a intensidade de reações emocionais negativas, promovendo alívio físico para sintomas que não parecem ter uma origem física específica.
A Terapia Subliminar de Edwin Yager (2011) é outra técnica que se revelou promissora para a redução de somatizações. Através do uso de sugestões hipnóticas, Yager introduziu uma abordagem que visa atingir diretamente o inconsciente, oferecendo ao paciente um espaço seguro para resolver as origens inconscientes do sofrimento. A Terapia de Resolução de Ressignificação (RRP), por sua vez, proposta por Edgar Barnet (2007), utiliza a hipnose para reestruturar experiências emocionais negativas, atuando diretamente sobre memórias traumáticas ou experiências passadas que foram cristalizadas no corpo, manifestando-se como somatizações.
A ligação corpo-mente e a importância de cultivar pensamentos saudáveis
No contexto da psicoterapia contemporânea, a IFS (Internal Family Systems), desenvolvida por Richard Schwartz (1995), tem contribuído para a compreensão de como diferentes “partes internas” em conflito podem afetar o corpo. A IFS permite que o cliente explore o seu “sistema familiar interno”, lidando com emoções reprimidas e conflitos internos que, quando resolvidos, podem promover o alívio de sintomas físicos de origem emocional. Ao ajudar o paciente a identificar e transformar os padrões internos que causam sofrimento, esta abordagem contribui significativamente para o alívio de somatizações.
Além disso, práticas como mindfulness e técnicas de meditação têm mostrado resultados promissores na redução de respostas físicas ao stress. Kabat-Zinn (1990) demonstrou que a prática de mindfulness reduz a ativação de respostas ao stress, promovendo uma diminuição dos sintomas físicos associados a estados mentais negativos. Estas práticas oferecem uma maneira de reconhecer e desconstruir o ciclo de pensamentos automáticos e negativos, que tendem a dominar a mente e, consequentemente, o corpo.
Conclusão
A psicologia tem mostrado repetidamente que a mente exerce um poder notável sobre o corpo, sendo capaz de criar realidades subjetivas que afetam profundamente a forma como nos sentimos e reagimos. Embora “a mente minta” ao criar cenários e interpretações distorcidas, o corpo não distingue entre fantasia e realidade, reagindo como se essas distorções fossem verdadeiras. Técnicas de hipnose e abordagens psicoterapêuticas inovadoras, como EMDR, Terapia Subliminar, Terapia de Partes, RRP e IFS, têm oferecido ferramentas valiosas para ajudar o indivíduo a transformar esses padrões automáticos de pensamento e aliviar os sintomas físicos que deles resultam.
O reconhecimento de que “o mapa não é o território” reforça a importância de praticar a autocompaixão e o mindfulness, e de adotar abordagens psicoterapêuticas que respeitem a interdependência entre mente e corpo. Para uma vida mais equilibrada e saudável, é fundamental entender que o corpo sente aquilo que a mente cria e que, ao cultivar pensamentos e emoções mais saudáveis, é possível promover uma transformação física e emocional profunda.
Referências
- Barsalou, L. W. (1999). Perceptual symbol systems. Behavioral and brain sciences, 22(4), 577-660.
- Barnet, E. (2007). Hypnotherapy for a Better Life: How to Experience Health, Happiness, and Success by Using Hypnosis and the Power of Your Mind.
- Beck, A. T. (1979). Cognitive therapy and the emotional disorders. Penguin.
- Cannon, W. B. (1932). The wisdom of the body. W.W. Norton & Company.
- Hunter, R. (2005). The Art of Hypnotherapy. Crown House Publishing.
- Kabat-Zinn, J. (1990). Full catastrophe living: Using the wisdom of your body and mind to face stress, pain, and illness. Delta.
- Nummenmaa, L., Glerean, E., Hari, R., & Hietanen, J. K. (2014). Bodily maps of emotions. Proceedings of the National Academy of Sciences, 111(2), 646-651.
- O’Sullivan, S. (2015). It’s all in your head: True stories of imaginary illness. Random House.
- Schwartz, R. (1995). Internal Family Systems Therapy. The Guilford Press.
- Shapiro, F. (2001). Eye Movement Desensitization and Reprocessing (EMDR): Basic principles, protocols, and procedures. Guilford Press.
- Spiegel, D., Frischholz, E., Fleiss, J., & Spiegel, H. (1989). Hypnotic responsivity and the treatment of anxiety in primary care. The American Journal of Psychiatry, 146(8), 1011-1015.
- Yager, E. (2011). Subliminal Therapy: Using the Mind to Heal. SAGE Publications.
Celso Oliveira, 26 de outubro de 2024